Mais de 300 militantes do histórico partido angolano FNLA, concentrados há uma semana à frente da sede, em Luanda, anunciaram hoje ter destituído o líder e que estão a preparar o anúncio de uma direcção de transição.
Em declarações hoje à agência Lusa, a porta-voz do grupo, Lucinda Roberta, disse que os militantes solicitaram a 30 de Agosto um encontro com Lucas Ngonda, líder da Frente Nacional para a Libertação de Angola (FNLA) e o único deputado do partido eleito para a Assembleia Nacional, não obtendo qualquer resposta.
Em frente à sede nacional do partido, explicou, estão concentradas 312 pessoas, que se vão manter no local até ao anúncio dos integrantes da direcção de transição, o que deverá acontecer na quarta-feira.
Segundo Lucinda Roberto, os “mais velhos” do grupo estão a trabalhar nesse sentido, depois da declaração de destituição lida na sexta-feira passada.
“Agora estamos a trabalhar para este documento entrar no Tribunal Constitucional. A 7 deste mês, fizemos a declaração da destituição de Lucas Ngonda, ele já não é presidente da FNLA, é deputado. Os militantes decidiram e essa decisão é política e não jurídica”, explicou a porta-voz.
Lucinda Roberto reforçou que a “decisão política” foi tomada pelos “verdadeiros militantes da FNLA, respeitador dos estatutos, militantes da primeira linha, que formaram a UPA, a UPNA e depois a FNLA”, que declararam que Lucas Ngonda “deixou de ser presidente”.
A porta-voz do partido fundado por Holden Roberto, entretanto falecido, disse que a futura direcção de transição “vai trabalhar na unidade do partido, ouvir os militantes e começar a trabalhar numa comissão preparatória do congresso”.
Segundo Lucinda Roberto, no encontro que solicitaram a Lucas Ngonda, o grupo de militantes, provenientes de todo o país, quer ouvir explicações sobre a situação do partido, a razão dos resultados negativos nos últimos processos eleitorais e a ausência de acções políticas e de esforços para a unidade da organização política.
“Desde que, em 2010, o Tribunal Constitucional lhe deu a legalidade, nunca mais o presidente fez uma actividade política a não ser exonerar e expulsar quadros”, frisou.
Para a porta-voz do grupo, Lucas Ngonda demarcou-se do encontro, porque “sabe que lhe vão pedir justificações”.
“Não as tendo, fugiu. Achamos por bem dar um benefício da dúvida ao presidente, para se explicar. Às vezes, tem um mau conselheiro, às vezes, alguma coisa o está a impedir de trabalhar, mas deixou bem claro que não quer levar a FNLA avante, quer destruir a FNLA”, alegou.
A FNLA, partido que juntamente com o MPLA e a UNITA, integram o grupo de movimentos da luta de libertação de Angola, enfrenta uma crise interna há vários anos, logo após a morte do líder fundador Holden Roberto, em 2007.
Lucas Ngonda foi confirmado presidente da FNLA em 2010 pelo Tribunal Constitucional, depois de divergências com a ala liderada por Ngola Kabango.
Em 2015, Lucas Ngonda foi eleito para um novo mandato no quarto congresso ordinário, que decorreu em Viana, nos arredores de Luanda, e que então ficou marcado, logo no primeiro dia, por confrontos entre militantes destas duas alas do partido, que provocaram um morto e 14 feridos.
Os militantes do partido conhecido como “dos irmãos” manifestam-se descontentes com os resultados que a FNLA vem alcançado nos últimos três pleitos eleitorais, de 2008, 2012 e 2017, nos quais obteve 1%, 1,13% e 0,90%, respectivamente, tendo agora apenas um representante no Parlamento.
Honrem, ao menos, a memória de Holden
Será pedir muito? Ao menos que Holden Roberto não seja apenas recordado quando alguém vir a lápide em pedra no seu túmulo no cemitério de Mbanza Kongo.
Neste e em outros espaços de liberdade, ainda Holden Roberto era vivo, defendemos, pregando obviamente para e no deserto, que Angola (entenda-se o Governo, o MPLA, o estado – são sinónimos) deve um pedido desculpas, agora e infelizmente póstumo, ao fundador da FNLA. Continua a ser o mínimo se, por acaso, restar alguma vergonha… Mas não resta.
Embora possam ser mais as ideias e as práticas que nos separavam de Holden Roberto do que as que nos uniam, ele foi uma das três mais relevantes personalidades do nacionalismo angolano, a par de Agostinho Neto e Jonas Savimbi.
Nos últimos anos de vida viu quanto ingrato era o poder na sua terra. Que país é Angola que teve e tem tanta dificuldade em reconhecer a Holden Roberto, como a Agostinho Neto e Jonas Savimbi, o estatuto de Herói Nacional? Por que razão, o Estado teve tanta necessidade de humilhar Holden Roberto? Será assim que se luta pela instituição de um Estado de Direito, pela reconciliação?
Não nos agradou que este velho guerrilheiro, natural de Mbanza-Congo, no Norte do país, tenha enfrentado sérias e mortíferas dificuldades para pagar os tratamentos médicos que não conseguia em Angola.
Não nos agradou que este velho guerrilheiro tenha enfrentado dificuldades para pagar os tratamentos médicos, quando Maria Augusta Tomé, ou simplesmente “Magu”, esposa do então Primeiro-Ministro, Fernando Dias dos Santos “Nandó”, alugava um Falcon da SonAir para fazer exames médicos de mera rotina… em Londres.
Veremos se Angola estará um dia disposta a, mesmo tarde e a más horas, respeitar a memória do “Velho” Holden. É que se o fizer está igualmente a respeitar os angolanos.
Folha 8 com Lusa
Aquando da inicio da guerra colonial em 1961, Holden Roberto era muito mais conhecido do que Agostinho Neto. Este passou a ser conhecido em Portugal a partir do momento em que foi recebido no Vaticano por Paulo VI. Não se entende que seja considerado como único herói nacional, quando Holden e Savimbi lutaram igualmente contra o colonialismo. Aliás, Neto tem o seu nome manchado pelo 27 de Maio. Lembro-me muito bem de o ouvir, via TV, que “não iriam perder tempo com julgamentos”. Quem faz afirmações deste teor não pode ser considerado democrata. É uma afirmação própria de ditador. Neto é herói nacional porque o MPLA foi o vencedor da guerra civil. Caso contrário teria sido relegado para segundo plano. Em 25 de Abril de 1974 o MPLA era um movimento fraccionado, fraco e em vias de cisão definitiva, contrariamente ao PAIGC ou à Frelimo. O movimento dos capitães foi essencial para a independência das colónias.